Este trabalho teve início há cerca de uns 4 anos, diante de um incomodo crescente em mim. Em algumas ruas de Recife, andar na calçada começou a se tornar desconfortável. Me sentia, e ainda me sinto, vigiada. Com receio de ser considerada “suspeita”. Ao longo dos 38 anos de minha existência assisti lentamente os muros subirem, as câmeras de vigilância chegarem, as cercas elétricas serem implantadas e os edifícios residenciais ficarem cada vez mais altos.
Sob o sentimento do medo e o signo da proteção verdadeiras fortalezas medievais foram construídas, os condomínios, para nos protegerem do perigo, do suspeito, do outro, do que está do lado de fora, na rua. A rua, que já foi a do convívio, da cadeira na calçada, hoje é a do perigo, do medo, da desconfiança. Mas quem é mesmo que está fora do condomínio? E quando eu estou fora do condomínio, sou eu a suspeita? Foi a partir dessas indagações que comecei a pesquisar e tentar compreender esse incomodo, esse medo de ser considerada suspeita. Um medo que não me pertencia, que eu não queria, mas que sentia como sendo imposto.
Este trabalho é o resultado dessa pesquisa, em que proponho abordar a construção simbólica e social de corpos subalternizados. Como mulher, mestiça, nordestina meu corpo vem sendo determinado, medido e catalogado desde o início da colonização em 1492 por olhos que não são os meus, por câmeras fotográficas e por aparatos imagéticos de vigilância. Já fui considerada animal selvagem, primitiva, escrava, feiticeira, drogada, vadia, feia, suspeita, subalterna todas as vezes.
Eu me alio a todos os meus parentes do mundo, por somos todos feitos igualmente de matéria e energia, que tiveram seus corpos esmiuçados e suas identidades determinadas de fora para dentro pelas ditas ciências do homem, antropologia, criminologia, história, sociologia, entre outras que, com o auxílio de objetos para medição, câmeras fotográficas e de vigilância, bem como diversos profissionais, estiveram e estão a serviço desta colonização contínua de corpos e terrritórios. E exponho, devolvo e redistribuo a violência simbólica com que fomos ontem e somos hoje medidos e determinados nas ruas e nas cidades.
Faço da calçada meu palco, da câmara que me vigia meu espectador, e determino matematicamente, como auxílio da trena, o valor que me dão. Recupero as imagens de meus antepassados porque se a violência sofrida por eles se mantém presente hoje, nossa resistência também e somente em sua companhia esse trabalho se torna possível.