Eu e você

2017

 

O intervalo do engavetamento de dois anos desde a foto performance Eu e Você (2017/2019), contribuiu para entender as experiências que endossaram as imagens, dada a série de mudanças que latejaram no intervalo dessa espera; espera de reabrir o arquivo, encontrar nele outras dimensões, sentindo as texturas do analógico e respeitando sua condição sensível; e por sensível, digo da capacidade que o meio externo tem de afetar o corpo dessa película sem medida ou garantia de resultados, gestando uma qualidade de contágios que fundamentam esse encontro de risco com o mundo. E nessa mesma superfície de afetos, além da emulsão das incertezas, não haverá possibilidade de sair ileso.

Falar de começos é logo pensar nas rupturas necessárias que fazem desse corpo uma catástrofe para o curso ordenado das coisas. A quebra parece uma condição de grandes mudanças que sempre chegam acompanhadas das tempestades que varrem muita destruição. Nascer provavelmente tem um gosto arenoso. Não seria a casca o índice ou presságio de grandes transformações?

Todas as intuições que tenho sobre o futuro precisam de um passado que as anuncie. Entre nostalgias e ansiedades, revisito meu arquivo em busca de respostas. Sinto que meus arquivos são um jogo carteado ou espécie de oráculo, com plenos poderes de antever mudanças localizando a fissura de todas as quebras. É como se essas imagens fossem as cartas que me envio ao futuro, conversando em língua própria sobre os afetos e as experiências que marcam novos ciclos, que chegam no tempo necessário do seu sentido.

Chego mesmo a conferir a insistência ao longo dos anos em determinadas imagens, como se tentasse construir sentido no exercício delas, criando novas camadas de entendimento a cada imagem, experimentando outros gestos e pesquisando novas texturas em uma tentativa de penetrar na natureza mesma da coisa que investigo, daquilo que me deixa obsessivo. A materialidade do ovo é meu grande exercício, elaborando sempre imagens e reflexões dos limites daquilo que me atrai e revela nesse processo.

O que eu não esperava, era encontrar no arquivo de 2017 o meu próprio nascimento. Uma foto performance em película colorida e vencida, em que dois ovos são postos na palma das mãos com as inscrições eu/ você. Ao sofrerem simultânea pressão, um ovo resiste e outro quebra: o ovo comprimido pela mão esquerda que consta a inscrição “Eu”.  

Eu e você, 2017/2019. Foto performance capturada em película 35mm vencida. Impresso em fine arte nas dimensões 14x20 cm cada com moldura em perfil de madeira. Esta obra participou da exposição ENTREMOVERES no Museu da Abolição [Recife, PE] um projeto da coletiva nacional Trovoa.

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